A Alma do Porco: Tradição, Sabor e Identidade no Coração do Montijo
O Montijo, cidade enraizada nas margens do Tejo, é muito mais do que um ponto estratégico no mapa de Portugal. É um palco vivo onde tradição e modernidade se entrelaçam diariamente. No centro desta identidade tão rica e vibrante, encontramos uma figura curiosamente humilde, mas de valor incalculável: o porco.
Falar da história do porco no Montijo é contar uma narrativa de sustento, cultura e convívio. Desde tempos imemoriais, a criação suína tem marcado a vida agrícola e económica da região. O porco, em todas as suas formas, tornou-se parte do quotidiano, não apenas à mesa, mas na forma de celebrar, de trabalhar e de partilhar.
Uma História de Caminho e Raízes Fundas
Recuando aos tempos antigos, a criação de porcos era feita em pequenas propriedades e explorações familiares. Muitos porcos vinham dos campos do Alentejo e eram transportados a pé, em grupos, através de trilhos e caminhos rurais. Era um verdadeiro cortejo de animais que, guiados por homens a cavalo e ajudantes a pé, percorriam longas distâncias até chegar ao Montijo.
Na chegada, eram direcionados para quintas e prados onde se abriam grandes portões de madeira. Atravessavam essas entradas em fila, quase como num ritual, entrando nos currais onde descansavam e eram alimentados com sobras de cozinha, bolota, e cereais. Era um processo manual, cuidado e que envolvia toda a comunidade. A criação era feita com respeito e gratidão ao animal, que tanto significava para a sobrevivência das famílias.
A matança do porco, que marcava o final deste ciclo, era um verdadeiro evento social. Reunia vizinhos, amigos e familiares num dia de trabalho, partilha e celebração. Era um dia que misturava suor e alegria, e onde tudo se aproveitava: da carne fresca aos enchidos, da banha aos ossos, das tripas à pele. A transformação do porco em alimento era feita com mãos sabedoras, que passavam conhecimento de geração em geração.
O Porco na Economia e Gastronomia do Montijo
Hoje, o Montijo continua a ser uma referência nacional na produção suína. Mais de 40 explorações de suinicultura estão sediadas na região, o que representa um peso significativo na economia local e nacional. Esta produção não é apenas em escala, mas em qualidade. Destaca-se a criação do porco preto, uma raça autóctone de Portugal, que vive em liberdade nos montados alentejanos e ribatejanos, alimentando-se de bolota e rações naturais. A sua carne, marmoreada e suculenta, é hoje reconhecida internacionalmente.
A gastronomia montijense celebra o porco com criatividade e respeito. Nos restaurantes locais, o porco é rei. Secretos grelhados com limão, plumas tenras na brasa, entrecosto assado lentamente no forno com ervas, chispe com grão, feijoada à transmontana, rojões e a tradicional carne de porco à alentejana são apenas algumas das especialidades. Cada prato é uma memória servida no prato, com sabor de casa e tradição.
A Festa do Porco: Um Património em Celebração
A culminação desta relação entre o Montijo e o porco acontece na Feira Nacional do Porco, realizada no Parque de Exposições Acácio Dores. Esta é mais do que uma feira profissional; é um manifesto cultural. Profissionais do setor, cozinheiros, artesãos, produtores e visitantes reúnem-se para celebrar o porco em todas as suas dimensões: gastronómica, económica, cultural e social.
A feira inclui showcookings ao vivo, provas de enchidos e presuntos, degustacões de vinhos e produtos regionais, exposições de maquinaria, conversas com especialistas e muita animação musical. Para os mais novos, existem atividades educativas e visitas aos animais. Para os mais gulosos, é um paraíso de sabores.
A Inovação que Respeita a Tradição
Hoje, a geração mais jovem continua a reinventar esta ligação. Chefs locais e nacionais dão nova vida aos pratos tradicionais, reinventando-os sem perder a alma. O porco não é apenas uma memória; é um elemento vivo da identidade cultural do Montijo.
Com a sua localização privilegiada, junto ao Tejo e com acesso direto a Lisboa e à Península de Setúbal, o Montijo afirma-se cada vez mais como um destino gastronómico e cultural. A aposta na autenticidade e na qualidade tem atraído turistas e apreciadores da boa mesa.
A história do porco no Montijo é feita de caminhos antigos, de fogos acesos, de conversas partilhadas em volta da mesa e de um profundo respeito pelas origens. É uma herança que continua viva e que se saboreia com orgulho, em cada garfada de um prato que traz consigo a alma desta terra.