No dia 25 de julho, quando se celebra o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, o Brasil se curva diante da memória de uma de suas maiores vozes: Preta Gil. Cantora, atriz, empresária, ativista e, acima de tudo, mulher negra que transformou sua dor em potência coletiva. Preta se despediu do mundo com a mesma coragem com que o enfrentou em vida: de cabeça erguida, coração aberto e voz firme.
O dia 25 de julho se celebra o Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, uma data de profunda importância histórica, cultural e política. Criada em 1992, durante o Primeiro Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas, na República Dominicana, essa data nasceu da urgência de reconhecer a resistência, a luta e o protagonismo das mulheres negras em uma região marcada por profundas desigualdades sociais e raciais. No Brasil, o 25 de julho também é o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, instituído oficialmente em 2014, em homenagem à líder quilombola que comandou o Quilombo do Quariterê no século XVIII e simboliza a resistência feminina negra no país. Essa é uma data para lembrar, denunciar, mas, sobretudo, para celebrar as trajetórias que têm mudado o curso da história — como a de Preta Gil.
E é especialmente, nesta data que o país se despede de uma das vozes mais autênticas e corajosas do Brasil contemporâneo. Preta Maria Gadelha Gil Moreira, ou simplesmente Preta Gil, morreu no mês em que a luta das mulheres negras ganha ainda mais visibilidade. Sua despedida no Theatro Municipal do Rio de Janeiro não foi apenas um velório, mas um ato público de reverência a uma mulher que viveu com coragem, se expôs com verdade e construiu, em vida, um legado que atravessa a arte, a política, a estética e o afeto. Filha do cantor Gilberto Gil, Preta poderia ter se limitado ao conforto do sobrenome. No entanto, fez o caminho inverso. Criou sua própria identidade, ocupou o centro do palco, falou sobre o que doía, e o fez com um tipo raro de generosidade pública. Sua vida foi um manifesto.
Desde o início de sua carreira, Preta se destacou pela coragem de ser quem era. Uma mulher negra, gorda, sensual, irreverente, que não pediu licença para ocupar espaço. Cantou o amor, a liberdade, o desejo e a dor com a mesma intensidade com que defendia o direito de existir sem se moldar aos padrões da indústria do entretenimento ou da sociedade racista e gordofóbica em que vivemos. Foi uma das primeiras artistas brasileiras a falar abertamente sobre o orgulho do próprio corpo, a denunciar a violência estética que mulheres negras enfrentam e a lutar por uma nova forma de se comunicar nas redes, na mídia e nos palcos. Criou o Bloco da Preta, que virou um dos maiores do carnaval carioca, reunindo multidões em uma explosão de alegria, diversidade e resistência cultural. Fundou a Mynd, empresa voltada à representação de artistas e influenciadores pretos, periféricos e LGBTQIAPN+, apostando na democratização da comunicação e da economia criativa. Em 2023, quando recebeu o diagnóstico de um câncer, decidiu tornar sua batalha pública. Não para inspirar pela dor, mas para alertar, informar, acolher. Transformou sua experiência em uma campanha pela saúde da mulher negra, chamando atenção para as desigualdades no acesso ao diagnóstico e tratamento. Mesmo em tratamento, seguiu sendo farol. E seguiu cantando.
A trajetória de Preta Gil não cabe em homenagens protocolares. Ela foi presença. Foi festa e foi luta. Foi voz e foi silêncio. Foi riso e foi lágrima. Sua existência foi um ato político contínuo. Ela não esperou que o mundo estivesse pronto para ouvi-la. Ela falou. E por falar, abriu caminhos. Preta foi filha e foi mãe. Foi amiga e foi conselheira. Foi artista e empresária. Foi muitas em uma só. Neste 25 de julho, ao lembrar todas as mulheres negras que moldam, sustentam e movem este continente, é impossível não pensar em Preta como símbolo do agora. Uma mulher que viveu no presente com a força das ancestrais e com os olhos no futuro.
O velório que a homenageou, com a presença de artistas, ativistas e milhares de admiradores, deixou claro: Preta Gil não morreu. Ela se multiplicou. Sua voz ecoa nos trios elétricos, nos palcos, nas redes, nos corpos livres de outras mulheres que agora sabem que também podem. Neste dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, Preta se torna verbo, memória, guia. Ela é a lembrança viva de que lutar também é amar. Que ser preta também é brilhar. Que ocupar todos os espaços, com dignidade, alegria e verdade, é uma forma de fazer história. Hoje, Preta Gil não é apenas uma mulher. Ela é uma multidão.